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Poucos lugares do mundo são tão contraditórios, e tão convictos de suas contradições, como Hong Kong. Aqui, Pequim e Nova York parecem fundir-se em uma só metrópole, gerar paisagens urbanas de ar surreal e dar cria a inusitada espécie de ser humano: o chinês capitalista.

Com população atual de 6,92 milhões de pessoas, espremidas em um território de 1.104,27 km² (são mais de 260 ilhas e um naco do continente asiático), Hong Kong esteve, durante 156 anos, sob domínio colonial britânico. Foi restituído à República Popular da China em 1997, com a condição de que seu sistema político e econômico, altamente favorável ao livre mercado, fosse preservado por pelo menos 50 anos.

Mais de uma década após a devolução, Hong Kong, hoje denominado Região Administrativa Especial da China (SAR, na sigla em inglês), ainda é um dos principais centros financeiros e portuários do mundo. Cerca de 90% de seu Produto Interno Bruto (PIB) é gerado pelo setor de serviços e sua renda per capita destaca-se como uma das maiores da Ásia: US$29,900. O senhor Giorgio Armani que o diga. Suas lojas, a exemplo de outras grifes famosas, onipresentes nos bairros comerciais da metrópole, desfrutam da cultura consumista que domina a atitude local.
É incrível pensar – e difícil admitir – que esse lugar, mesmo com sua autonomia, faz hoje parte de um país socialista. Mas os habitantes da SAR (95% são chineses ou têm ascendência chinesa) já encamparam a idéia. O último dia 1º de outubro marcou os 59 anos da proclamação da República Popular da China por Mao Tsé-tung. Aproximadamente 300 mil pessoas, segundo os jornais locais, foram até o porto Vitória para celebrar a data. Sob os arranha-céus (muitos deles sedes de bancos) e as luzes neon do comércio, que definem a paisagem da metrópole, elas aplaudiram os fogos de artifício que explodiam em homenagem à vitória comunista de Mao.

Wong Tsz Lok, um jovem estudante de design industrial que mora em Causeway Bay – um dos bairros mais caros da região – diz que não esteve lá, que viu tudo pela televisão, mas dá uma boa definição de como um cidadão de Hong Kong se posiciona em relação à pátria-mãe chinesa. “Nunca fui à China. Mas se as pessoas quiserem me chamar de chinês, tudo bem. Hong Kong é um lugar eficiente, que me dá oportunidades de trabalho e chances de viver em um local com cultura internacional. A China tem uma história que admiro, e é um lugar que pretendo visitar e, quem sabe, um dia morar lá”. Há essa divisão quando os locais falam de si mesmos e de seu poderoso dono/vizinho: “Hong Kong é modernidade, a China é tradição”.

O crescimento chinês, porém, tem sido fundamental para o bem-estar da economia local. Segundo o departamento de estatísticas da SAR, a China é hoje o principal parceiro comercial de Hong Kong, sendo responsável por 35% dos investimentos estrangeiros feitos na região. E dos 28,1 milhões de turistas que visitaram Hong Kong em 2007, 15,5 milhões vinham de aeroportos chineses. Talvez os nativos estejam certos ao comemorar o 1º de outubro.

Identidade própria

Sentada à entrada da estação de metrô Wan Chai, uma das mais movimentadas de Hong Kong, uma senhora ergue cartazes contra a perseguição do grupo religioso Falun Gong pelo governo de Pequim. Fotos de pessoas torturadas estão em exposição e, em uma faixa, a exigência: “Tragam Jiang Zemin (o ex-presidente chinês) à justiça!”. Improvável de ocorrer em qualquer cidade chinesa, aqui, tal manifestação é possível.

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