Não sei como, não lembro o nome das estações, a quantidade de baldeações e nem a duração exata do trajeto, mas o choque de sair de Milão, paraíso das compras no norte da Itália, e ir para Monterosso Al Mare, uma das aldeias de Cinque Terre, no sul da Ligúria, eu nunca vou esquecer. Peguei o trem em Milão com mais sacolas do que a minha existência tinha condições de carregar.
Eu estava no humor típico de quem acaba de gastar muito dinheiro, um misto de alegria arrogante com depressão pós-parto de economias, e tratei logo de acomodar as dezenas de sacolas nos bancos ao meu redor pra ninguém sentar perto de mim. Queria ficar sozinha com meus objetos e meus sonhos plásticos. Olhando para as minhas compras e ansiosa para usá-las, lembro que o trem embalava um único pensamento que não me deixava: pra que mesmo estou indo para essa vilazinha praiana? Será que lá não é perigoso para as minhas grifes recém-adquiridas? Que graça pode ter esse lugar se não vou poder usar minhas novas aquisições?
A cada parada do trem, eu só rezava para não entrar nenhum ser do mal que pudesse me assaltar ou alguma italiana mais invejosa que pudesse urucar minhas sacolas e seus maravilhosos conteúdos. Foram horas de viagem e nenhuma sonequinha. E o medo? Aquelas sacolas eram tudo e mais um pouco em minha vida. Só queria logo que o trem chegasse, para eu finalmente poder levar minha bolsa Ferragamo para…para… para a praia? Mas para que mesmo eu estava indo para aquela vilazinha praiana? Que saco.
Conforme meu destino ia chegando, mais e mais pessoas sem nenhuma preocupação com as vestimentas ou com a moda tomavam os assentos próximos a mim. Eram hippies, surfistas, mochileiros, budistas e desapegados. Todos olhavam pra mim com certa pena e um pouco de carinho. Eu lia a mente deles: “Um dia essa garota vai descobrir que não precisa de nenhuma dessas sacolas”. Mas não me abalava, o importante era chegar sã, salva e com sacolas na tal pousadinha praiana italiana no fim do mundo.
De repente, cheguei. Nunca vou esquecer esse momento. Vovôs italianos de suspensório donos de quitandinha de frutas falavam alto, gesticulavam, sorriam sem freios, enquanto mulheres com vestidos floridos estendiam lençóis floridos com vista para um jardim ainda mais florido. Que mundo era aquele? O ar tinha cheiro de fruta fresca, o céu tinha uma cor lilás que eu só tinha visto em anúncio “photoshopado” de tardes perfeitas, e o caminho até o hotel não parecia de verdade. Casinhas coloridas enfeitavam um penhasco gigantesco com as mais variadas e recortadas vistas para o mar. Naquele momento, eu só não lancei com toda a convicção minhas sacolas ao mar porque seria imperdoável sujar aquele sonho. Dizem que toda a Itália é muito bem servida de trens, eu só não sabia que dava pra ir tão rápido do inferno ao paraíso.