Uma das principais manifestações religiosas do país –e também uma das menos conhecidas–, a festa do Divino Pai Eterno, em Trindade, reúne anualmente mais de 1 milhão de pessoas (cerca de dez vezes a população local). A última grande celebração ocorreu no primeiro domingo de julho.
A cidade de Trindade (antiga Barro Preto) tornou-se um centro religioso depois que, em meados do século 19, Constantino e Ana Rosa Xavier acharam, quando roçavam o pasto ao lado de um córrego, um medalhão de barro que representava a Santíssima Trindade coroando a Virgem Maria.
Constantino e seus familiares começaram a rezar o terço diante do medalhão, e logo foi erguida uma capelinha coberta com folhas de buriti. Mais e mais gente começou a chegar ao pequeno povoado que ali se formava. Outra capela maior foi erguida, e a imagem do medalhão foi esculpida em madeira pelo artista goiano José Joaquim da Veiga Vale (cujas obras estão no Museu de Arte Sacra, na Cidade de Goiás).
A devoção ao Pai Eterno passou a atrair multidões a Trindade, que, em 1920, ganhou sua emancipação política. As romarias se faziam em carros de boi e a cavalo. Eram dias e dias na estrada para rezar e agradecer às graças alcançadas. Atualmente, alguns romeiros percorrem até 200 km a pé ou de cavalo para visitar o santuário.
Entre 27 de junho e 6 de julho, mais de 100 mil pessoas (dos mais de 1,2 milhão de peregrinos) passaram pelo Centro de Apoio ao Romeiro, no trajeto de cerca de 20 km que os fiéis realizam a pé entre Goiânia e Trindade. Há uma separação entre a estrada e a via dos pedestres, e painéis retratando a Via Sacra servem de paradas.
O frentista Gleisson Vilela da Silva, 31, leva o filho César Augusto, 7, há quatro anos para participar da romaria. O menino sofre de uma anomalia no cérebro, e o pai espera que ele melhore por meio da oração.
“O Divino Pai Eterno realmente vem a essa cidade, e as graças são alcançadas”, diz acreditar Vera Lúcia Gobbo Nakamura, 55, que também estava na festa religiosa.
Vale a pena assistir ao tradicional desfile de carros de boi (no início de julho, foram 230 carros de boi de 33 cidades) e visitar o museu da Memória no centro da cidade, com boas explicações sobre a romaria, fotos antigas, objetos sacros, esculturas, pinturas e utensílios sertanejos.
Bento Fleury, 34, diretor do museu, descreve a romaria de Trindade como uma “festa sertaneja, uma romaria cabocla” e diz que ela chegou a ser excomungada entre 1900 e 1903 por um bispo que queria tirar uma imagem da cidade e foi impedido por um coronel.
A sala dos milagres, instalada no santuário novo da cidade, reserva um espaço especial para objetos do cantor sertanejo Leandro e chegou a exibir pertences de Ayrton Senna (furtados do local). Lá funciona também um museu com instrumentos musicais e peles de animais, além de um carro de boi, um descaroçador de algodão, um tear e um bezerro de duas cabeças empalhado.
A prefeitura e o governo estadual querem atrair devotos para o santuário do Divino Pai Eterno o ano inteiro e, para isso, afirmam estar investindo na melhoria da infra-estrutura, com novos acessos ao santuário, construção de banheiros e locais para consumo de água potável.
Produzidas artesanalmente, em tamanho natural, imagens de Moisés, são Sebastião, são Francisco de Assis e Nossa Senhora da Abadia, entre outros, vêm sendo instaladas em Trindade. Na avenida Constantino Xavier, dentro da cidade, foram construídas recentemente estações representativas da Via Sacra. Nem bem estavam prontas, duas delas foram danificadas por vândalos. Centuriões da guarda romana tiveram os braços quebrados e as lanças de ferro roubadas.
A escritora Narcisa Cordeiro idealizou o que denomina “caminho místico do Brasil”, que partiria de Trindade, da igreja do Divino Pai Eterno, e iria até Natividade, no Estado de Tocantins, passando por cidades como Abadiânia e Alto Paraíso.